Faculdade de Teologia de Stellenbosch

Um passeio por algumas vinícolas ao redor das cidades históricas de Stellenbosch e Franschhoek, e um pouco de reflexão séria sobre o regime do Apartheid – é o que será abordado nesse post!

Previously on S2S’s Cape Town Trip

No dia anterior, nós fizemos um passeio animal. Mergulhamos com focas, visitamos o World of Birds e também o Two Oceans Aquarium, tudo na Cidade do Cabo. Clica aqui para ver.

Não deixe de conferir o vídeo musical no topo. Pesquisas mostram que ver o vídeo vai ter dar mais felicidade do que comer um chocolate suiço, então já sabe.

E para ver todos os posts da África do Sul, mais um FAQ completo, clique aqui.

Dia #5.1 (21/03/2017) – Vinhos em Stellenbosch e Franschhoek

Escolhemos fazer o passeio dos vinhos nesse dia porque fazíamos 2 anos de casados (own). E como adoramos passear por vinícolas, achamos que seria perfeito para a situação! Então, dois dias antes mesmo, reservamos um passeio em grupo de van com a African Eagle pela internet. Como sempre, é aquele tour em que você fica bem pouquinho em cada lugar. Existem passeios privados, também, mas são o olho da cara. Diria que o ideal seria alugar um carro e visitar as regiões das cidades, porém infelizmente álcool não combina com direção, certo, galera?
Mas foi ótimo! Diria que só não foi mil maravilhas porque o dia, estranhamente, resolveu fazer 40ºC. Pois é, sabe aquele frio que a gente sentia na Table Moutain? Pois se fora completamente e dera lugar a um forno brutal. Gente, sou #teamfrio. Para andar por aí, não tem nada melhor do que 15ºC. Nos 40ºC você meio que perde parte de sua dignidade humana. E ela sai de si em forma de suor. Sentia-me desidratado e só queria saber de voltar para o ar-condicionado da van ou de algum estabelecimento. Não dá, não. 
Nosso grupo possuía gente de várias partes do mundo, e gostamos bastante da experiência social. Eles eram:
  • Nossa guia sul africana, extremamente simpática;
  • Duas americanas de Atlanta;
  • Um casal de alemães;
  • Um casal de suecos (extremamente fofos);
  • Um francês que trabalhava como comissário de bordo na Airfrance, e que, graças a isso, conhecia boa parte do mundo. 
  • A mãe do francês, que era a única que não falava em inglês, e ficava meio que boiando.
Antes de mais nada, gostaria de dizer que somos enófagos, e não enólogos. Então não vou entrar em detalhes sobre a qualidade dos vinhos, pois nos falta expertise para tal. Sabemos apenas diferenciar os vinhos bofeiras dos vinhos medianos, porque os bofeiras são muito ruins, e nos falta habilidade de distinguir os bons dos excelentes. Aliás, pelo bem de nossos bolsos, dado o preço dos vinhos, acho melhor que continue assim mesmo. Portanto, provavelmente, este é o post da série Cidade do Cabo com menos informações sobre os lugares em si. Não quero vos enrolar na leitura, muito embora seja precisamente isso que eu esteja fazendo no momento.

Vale ressaltar, toda via, que as duas culturas de uva mais comuns na Áfica do Sul são Shiraz e Pinotage, e que os vinhos produzidos com elas são mais fortes/encorpados do que o normal.

Zevenwacht Wine Estate

Nossa primeira parada foi na vinícola Zevenwatch. É uma vinícola grande, bonita, e com casas ao estilo colonial da África do Sul. 

Fomos direto para a casa de degustações, onde nos ofereceram uma com queijos. Em ordem, tomamos dois vinhos brancos, os quais foram degustados com queijos mais leves; e, depois, dois vinhos tintos, acompanhados de queijos mais fortes. Novamente, não entendo disso, mas acho que tudo se harmonizou muito bem, realmente deu certinho com o paladar. Achamos o máximo a combinação.

Coisas interessantes. Primeiro, conversei muito com o francês, que se sentou ao meu lado. Falei sobre minha frustração sobre aprender francês, por ser uma linguagem muito difícil; e ele disse que também não sabe nada de português (claro, sem querer menosprezar nossa belíssima língua, pra que raios alguém vai aprender português?). Aproveitei para soltar um “je bois du vin” e “je mange du fromage“, que aprendi nas primeiras aulinhas de Duolingo, e foi sucesso, eu acho. Até me senti um pouquinho. Verdade seja dita, provavelmente o francês deveria estar me achando um besta.
Segundo, a gente comia os queijos por completo, o que incluía uma pelezinha colorida que eles possuem (não sei as nomenclaturas da anatomia do queijo, então fica sendo pelezinha mesmo). Daí a gente notou que os europeus chiques d’úrtimo, além de naturalmente segurarem as taças like a sir, não obstante não houvesse um inglês entre nós, não comiam a não muito famigerada pelezinha. Parece besteira, mas isso deixou a gente se sentindo com certa vergonha, “oh, céus, estamos fazendo tudo errado e passando vergonha na frente deles, o que hão de pensar de nós?“. Essa tal da síndrome de vira-lata, em que os nativos do velho mundo são obrigatoriamente melhores do que a gente em tudo e devem ser imitados. Sei lá, às vezes a pelezinha tinha alguma proteína a mais que eles não estávamos adquirindo, suponho. Bem, paramos.
Essia vinícola a gente agarantia!

Rickety Bridge Winery 

A segunda parada foi a Rickety Bridge Winery. Montanhas maiores se podia ver ao fundo, sendo essa vinícola mais próxima de Stellenbosch. Aqui a degustação de vinhos foi apenas com… vinhos. Nada de queijos ou biscoitos. Isso tornou essa meio sem graça.

É interessante como eles sempre colocam um pouquinho de vinho somente na taça enorme. Contudo, de pouquinho em pouquinho, não é incomum ficar mais pra lá do que pra cá com o tempo.

Aproveitamos para fazer uns takes de Waka Waka porque precisávamos. Escondemo-nos no meio das parreiras para que os europeus não nos vissem fazendo s2stationzisses. Em um momento, Liliam colocou a bolsa dela em um veículo, acho que uma espécie de charrete, para que tirássemos fotos e fizéssemos vídeos. E estávamos super felizes, tranquilos, quando a tal da charrete resolveu andar. Só se viu a Liliam correndo desesperadamente pela vida bolsa dela, como se não houvesse o amanhã.

(ocorre que nem sempre o Waka Waka dá certo…)

Stellenbosch

A cidade de Stellenbosch é tipo uma graça. Se por acaso pensar em se hospedar lá, acho que pensou certinho. Cidade colonial. A segunda colônia europeia mais antiga da África do Sul.

Pense em algo como uma Ouro Preto africana. É basicamente isso. Casas ao estilo antigo, ruas cheias de árvores, abastecidas por um sistema de canais eficiente que nos lembrou, e muito, Mendoza. Como na cidade argentina, montanhas complementam a paisagem, e vinícolas estão ao seu redor.

A van parou na cidade por cerca de meia hora (miséria de tempo), e andamos um pouco por suas ruas. Tiramos algumas fotos. A construção que mais nos chamou a atenção foi o que ela chamou de “fábrica de anjos”. Fiz cara de quem não entendeu a referência e uma das americanas falou, “é uma faculdade de Teologia”. Tudo nesse passeio me fazia sentir burro.

Fiquei com gostinho de quero-mais. Pena que, novamente, 40ºC estavam sendo do mal com a gente.

Franschhoek

A seguir, paramos na cidade de Franschoekk, que é bastante semelhante a Stellenbosch, só que menor. Mesmo estilo de casas coloniais e tal. Paramos lá para almoçar. Deram-nos 1h.

Não vou dizer os nomes dos restaurantes em que fomos, pois eu não gostei da comida. Liliam pode ter outra opinião, mas a minha é final: não gostei.
Primeiro procuramos pelo amor de todos os deuses um lugar com ar condicionado. Não tinha condição alguma ficar na rua. Não achamos. O máximo que se podia achar eram restaurantes com aqueles mecanismos que espirram vapor d’água. Acho que o pessoal não tá muito acostumado com o calor, lá. Vimos um restaurante qualquer então. Sentamo-nos, mas era pizzaria. Não estava a fim.

Andamos mais e achamos um que servia um prato de salmão com caviar. Você sabe o que é caviar? “Nunca vi, nem comi, só ouço falar”. Acho que isso nos chamou a atenção. Pedimos. Porém o salmão era cru, e tinha um acompanhamento que me lembrava, e muito, maionese. Lembrei-me da infecção alimentar que tivemos no fim de viagem da Tailândia, que nos fez perder um trecho de avião e quase o trecho da volta pro Brasil, e se havia algo que eu não queria ter de novo era esse piriri capetônico. Ficamos enrolando, e decidimos não continuar comendo. Daí pedi um sanduíche de frango, e daí não teria erro. Demorou para chegar. Então pedimos para levar em uma quentinha e eu comeria na van. Chegamos correndo e tava a galera esperando. 
Mais uma vez passando vergonha na frente dos europeus. “Esse pessoal do Brasil é tudo ralé mesmo”, provavelmente pensavam. Desculpa pai, desculpa mãe, desculpa Brasil. Desculpem-me por decepcionar uma nação, assim, tão pateticamente.

Estátua do Nelson Mandela no Presídio Drakestein

Paramos na frente do Presídio Drakestein, o último lugar onde Nelson Mandela esteve preso por conta de sua luta contra o regime do Apartheid.


Para quem não sabe, o Apartheid foi um regime sul-africano em que havia separação total entre brancos e negros. Em tudo. Desde bairros que eram frequentados somente por uma determinada etnia até hospitais e, inclusive, banheiros de escola em que o branco e o negro não se misturavam. Casamento entre dois diferentes, nem pensar! Era uma segregação forte, institucional, definida pelo governo, composto por uma minoria branca. Nelson Mandela foi um líder na luta contra esse regime, e, por isso, foi preso, e atrás das grades permaneceu por 27 anos. O regime não vigora ainda de maneira institucionalizada, porém suas consequências culturais podem ser facilmente observadas. Negros frequentemente ocupam empregos menos valorizados e dificilmente se vê um branco e um negro juntos. Fiz questão de exemplificar casos contrários, mas o comum ainda é a segregação.

O que veio a seguir foi um monólogo emocionante de nossa instrutora, que era um caso raro para a sua idade: uma mestiça. Assim como eu, e assim como, provavelmente, você, que está me lendo, e também boa parte da população brasileira, tão miscigenada como ela é. Ela explicou que, por muito tempo, sua condição, gerada por meio de uma união proibida entre um negro e um branco, colocou-a na miséria, pois não era branca e nem negra, era um nada. Em um ambiente em que prevalecia a segregação, se até banheiros assim eram tratados, quais ela deveria frequentar? Não seria bem vista em nenhum dos dois lugares. E isso para cada aspecto da vida, seja por questões territoriais quanto sociais.

Imagem de notas e moedas de Rands, Neson Mandela nelas. Fonte: DestinyConnect.

Como lidar com isso? Consegue perceber o enorme transtorno que isso causou na vida dela? Foi aí que ela utilizou a estátua de Nelson Mandela para explicar o porquê de o homem ser tão venerado, a ponto de tantas homenagens a ele estarem espalhadas pelo país. Até mesmo no dinheiro está lá o rosto do líder. Um homem que viabilizou o fim de um regime que faria ela ter condições de ser considerada alguém. É claro que, como eu disse, as consequências culturais se mantiveram, e coisas como obter fluência tanto em inglês quanto em africâner ajudaram-na a obter respeito dos dois grupos, mas Nelson Mandela libertou muitos de um regime cruel e racista. Acredito que não houve quem não se emocionasse, nem que fosse um pouquinho, com o seu discurso, que, infelizmente, não consigo reproduzir fielmente tal como ele foi pronunciado.

Prometi a mim mesmo que não escreveria neste blog nada que pudesse ser polêmico, visto que o objetivo ele é tratar a vida com humor. Meu objetivo é te fazer rir. Ocorre que, infelizmente, nem tudo nesse mundo possui sequer uma pespectiva passível de ser engraçada. E, talvez, o leitor discorde de mim, mas vou correr esse risco ao dizer que esse é o tipo de coisa que só se vivencia visitando a África, de onde se originaram as caravelas malditas que trouxeram negros de seus lares, tratando-os como se fossem objetos, e deixando guerras civis em sua terra de origem. Compreender que a raiz do racismo está na segregação, institucionalizada ou não, no tratamento diferente e brutal (ou até mesmo sutil) entre duas pessoas simplesmente por possuírem cor de pele. Incitar ódio por conta de etnia. O quão monstruoso é isso? Busquemos compreender o outro. E torçamos para que venhamos a viver em um mundo melhor.

É o que tenho a dizer sobre isso. Voltemos à nossa programação normal.

KWV

Nossa última parada foi numa loja da KWV, que fica na cidade de Paarl. Não era uma vinícola, não havia parreiras por perto. Mas tivemos uma degustação.

Liliam pediu encarecidamente que houvesse chocolates no meio, pois veio seca para a África do Sul desejando uma degustação com chocolates. Então eles arranjaram para a gente! Olha só que feliz!

Essa degustação foi engraçada porque, na mesa, havia um papel com as taças para cada um dos vinhos. Além disso, fez parte dela um conhaque e um licor de creme com caramelo (Wild Africa Cream), que se parece muito com Amarula, mas não é.

Tudo muito bom, aproveitamos para conversar bem com os nossos amiguinhos estrangeiros.

Foi um dia maravilhoso! Voltamos para a Cidade do Cabo, e, como fomos uns dos últimos a serem entregues, fomos nos despedindo de cada um. Super gracinha todo mundo se despedir dos franceses com um au revoir. Meigo. Os alemães nos ensinaram a dizer tchau em alemão, mas achamos difícil.

É quase o fim 

Mas o dia não acabou aí. Logo depois, fomos ao GrandWest Casino assistir a um show do Blue Man Group, o que narraremos no próximo post, que será o último da série Cidade do Cabo. Spoiler: o cassino é INCRÍVEL. Au revoir!

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